Valpedre, 1 de Janeiro de 2009.
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O dia amanheceu chuvoso. As vertentes gemem água que em turbilhão desliza valeta fora.
Após a noite de passagem de ano, quem não dorme curando a ressaca está recolhido em casa ou na igreja, de onde ao longe se ouvem os cânticos e orações. Clima perfeito pois para me deliciar caçando, de máquina fotográfica em punho, algum do património arquitectónico vernacular da região de Penafiel.
Por entre latadas, videiras adormecidas pelo Inverno, cantos de galo e latidos de cão, embrenho-me rua de Oldrões abaixo.
Logo à entrada da rua deparo-me com um belo pórtico, porta-ferronha como é designada na região, entrada da verdadeira fortaleza que é uma das muitas casas de pátio fechado do concelho de Penafiel. A porta-ferronha localiza-se estrategicamente na curva do caminho, facilitando a entrada e saída de viaturas, outrora exclusivamente de tracção animal.
Aprecio e cobiço a bela aldraba que a mantém fechada.
Tento espreitar por um postigo que estabelece a comunicação entre a corte dos animais e a rua. Sou presenteado com o mugido e o bafo de um dos animais.
Prossigo viagem. Olho a ramada que me serve de tecto e penso quão fresco tornará ela o ambiente no verão.
O pequeno aglomerado que atravesso é uma verdadeira ilha no meio do betão. Felizmente, ainda existem na zona muitas outras ilhas. Não sei é até quando!...
Questiono-me se as latadas e as estreitas ruelas, bloqueando o acesso a camiões e gruas, não têm sido a tábua de salvação de todo o património que vislumbro.
Mais à frente avisto nova porta-ferronha, curiosamente ainda recoberta por lousa, tipo de cobertura já há muito abandonada na região, substituída entretanto pela telha marselha.
Entre muros, hortas, minas e tanques de armazenamento de água, eiras, sequeiros, espigueiros e cruzeiros, montes de lenha, carvalhos e velhas piteiras, vou avançando.
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Novas interrogações me assaltam. Que vírus terá afectado o bicho-homem que em poucas gerações perdeu a noção de proporção? Será que cegos não nos apercebemos do tesouro, património que herdámos, que não só temos o dever de proteger como ainda deveríamos dilatar?
Quantos anos possuirá o pequeno aglomerado de casas que atravesso? A inscrição na base de uma cruz de pedra assinala o ano de 1644. Sendo o aglomerado multi-centenário, sai reforçado o seu valor.
Rafael Carvalho / Jan2009
3 comentários:
Questões bem pertinentes numa região que, juntamente com as dos concelhos vizinhos, é das mais devastadas que conheço, a ponto de haver edifícios de apartamentos nas encostas dos montes...
Bela descrição. Ao ler o que escreveu e com as fotos, imaginei-me a percorrer essa rua.
Curiosamente, fiz uma asociação com as azinhagas da minha região alentejana nodestina. Fotografei uma em Aldeia da Mata, que faz parte do meu concelho de origem.
http://entretejodiana.blogs.sapo.pt/79821.html
Nesta altura do ano, os muros estão cobertos de musgo e o granito tem um tom muito especial devido à água da chuva.
Aqui, onde vivo actualmente (Campo Maior) não há tapadas, logo, não há azinhagas.
Cumprimentos
Paulo:
Não deixa de ser curioso: apesar desta região ser das mais devastadas, também é seguramente das mais ricas! A desgraça reside no facto da maioria da população não reconhecer valor no património de que é detentora!
Júlia:
Revi-me integralmente na imagem do seu "post".
Existem contudo diferenças. Desde logo, no sul, a omnipresente cal.
Encanta-me a unidade, mas também as diferenças que fazem do nosso país um dos mais belos do mundo...
Cumprimentos a ambos.
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