quarta-feira, 8 de abril de 2009

Descida ao Douro, descida ao paraíso…

Foto: Mortórios D’Ouro + “Descida ao paraíso…”, estranho título este, quando o normal é subir ao paraíso! Desce-se sim, mas normalmente às profundezas do inferno! Passo a explicar. Fins de Março, princípios da Primavera. Habitando no planalto duriense, desci ao Douro. Como curiosidade diga-se que maioria das povoações durienses tiveram a sua fundação no planalto, diz-se que para evitar as sezões, forma de paludismo outrora frequente junto ao rio. Durante séculos a grande romaria ao Douro foi feita pelo Outono, onde as rogas - ranchos de pessoas vindas das serranias - aí confluíam para as vindimas. Nesta altura do ano porém, o motivo que me levou ao Douro foi outro. Desci ao Douro para os lados de Santo Adrião, concelho de Armamar, para contemplar o despontar da natureza, onde ela é pródiga, farta e generosa… Ao contrário das serranias circundantes, o vale do Douro possui clima mediterrânico, com toda a riqueza florística e faunística que lhe está associada. Porém, a biodiversidade que lhe é reconhecida também tem origem antrópica. Nos finais do século XIX toda a região foi devastada pela filoxera, praga que dizimou a quase totalidade das vinhas aí existentes. Foi um período de fome que motivou o abandono de aldeias inteiras, de que a aldeia do Pai Calvo bem perto de Santo Adrião é apenas um exemplo. Transformaram-se em ermos grande parte das quintas. Em solos produzidos e enriquecidos pelo homem, os matos ocuparam o lugar da vinha. Assim se formaram os chamados “mortórios”, uma alusão à devastação foloxérica. Os matagais assim formados são biologicamente mais ricos e evoluídos que os precedentes.
+ Voltando à minha descida ao Douro, na região a floração e o despontar de novos rebentos conferem à paisagem uma variada paleta de cor. Os rebentos da cornalheira, planta aparentada do pistáchio, inundam a paisagem de rubro. O rubro da cornalheira contrasta com o verde ainda ténue das folhas recém-formadas do lodão, do freixo, do carvalho português, do sumagre, do salgueiro ou mesmo da figueira. Aqui e ali o verde maduro do pinheiro bravo, da era, da gilbardeira, do loureiro, do carrasco, do sobreiro, do lentisco, do medronheiro, do zambujeiro e do zimbro. Também contribui para a diversidade cromática a cândida floração da esteva, do pilriteiro, do sargaço e da urze, a púrpura floração do rosmaninho, a violeta do alecrim, da vinca e do jacinto dos campos ou a dourada floração do tojo e do narciso. Mais para a frente no tempo, despontarão as flores do Estêvão, do trovisco e da madressilva. Entre as árvores despontam o espargo, a abrótea e algumas orquídeas selvagens, entidade desconhecida para a maioria dos cidadãos.
+ No seio dos matos durienses as árvores têm o privilégio de morrer de pé. Os seus esqueletos descarnados, refúgio para a vida animal, contribuem para a harmonia do conjunto. Os mortórios durienses são repositórios de biodiversidade. Desci ao Douro, observei, senti. No meio dos mortórios os meus olhos viram o paraíso…
Rafael Carvalho / Abr2009

4 comentários:

Júlia Galego disse...

Esperemos que se conservem assim. A sua descrição é tão impressiva que parece que estamos a ver o coberto vegetal dos mortórios.
Achei linda a casa do post anterior.
Boa Páscoa!

Rafael Carvalho disse...

Júlia,
obrigado pela simpatia e pelo comentário.
Retribuo para o Sul os votos de Boa Páscoa!

Rui Pinto Leite disse...

Bela descrição. e como semi-douriense que sou consigo entender perfeitamente os rasgos de beleza que esta zona demonstra, cuja designação não poderia ser outra senão perfeita.
Vejo no entanto, tristemente, a destruição que certas entidades portuguesas andam a fazer nesta tão bela região, que é património mundial. vejamos o caso da REN com os seus tão "belos" postes de electricidade.
É triste mas, se isto continuar assim, a próxima vez que fizer a "Descida ao Douro", poderá fazê-la em slide, entre postes de electricidade.
Boas férias!

Rafael Carvalho disse...

Curiosa e perfeita essa alusão ao slide electrizante.
Relativamente aos postes de alta-tensão, a zona que descrevo, património da humanidade, está efectivamente a transformar-se num autêntico paliteiro.
Mentalidade tacanha, em Arícera, Armamar, estão a construir aquela que dizem orgulhosamente ser a maior subestação da Europa. E os cabos têm que lá chegar...
Curiosamente é a primeira pessoa que vejo manifestar o seu repúdio por este facto.
Nós com insónias. Estarão os outros a dormir?!
Cumprimentos.