quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Arquitectura vernácula da Beira Litoral

Foto: Quinta do Loureiro, Aveiro +
O espécime da imagem localiza-se na Quinta do Loureiro, povoação do concelho de Aveiro. Pertence a um modelo arquitectónico que durante décadas serviu de base à construção em grande parte da Beira Litoral, especialmente entre os rios Vouga e Mondego. Casa rural construída em adobe , à face com o caminho, da fachada destaca-se a porta-carral. Este elemento permite o acesso do carro de bois ao pátio localizado nas traseiras do edifício. O pátio, centro da vida agrícola, é limitado pela habitação, corrais, galinheiros, celeiros e demais dependências agrícolas. Este tipo de casa-pátio tem remota filiação na arquitectura árabe ou mesmo romana, que recorre a espaços organizados em planta centrada, abertos para o interior. Tal como em muitas outras edificações da região, o presente exemplar encontra-se revestido a azulejo, havendo contudo outros exemplares simplesmente rebocados e caiados. Janela/porta/janela -- porta-carral, constitui o modelo de habitação térrea mais simples existente na região. Subsistem no entanto variantes com mais janelas e/ou portas, consoante o número de divisões interiores e o poder económico do proprietário. Por debaixo de cada janela, ampliando a imagem, é possível observar os orifícios de ventilação do soalho. As molduras das portas e janelas, desenhadas superiormente em arco, são lavradas em granito. Mais ao sul, para o mesmo efeito é usado o calcário – a conhecida e reconhecida “Pedra Ança”. Suportado por asnas de madeira, este tipo de construção possui telhado de duas águas, em telha marselha, rematado no beiral com telha de canudo. Sob o beiral, em todo o comprimento, a casa da imagem possui um friso em azulejo. Os frisos são elementos decorativos muito comuns na região, sendo por vezes pintados directamente sobre o reboco. Os frisos podem ou não possuir relevo. Na fachada da figura, um rodapé cinzento faz a transição com o chão. O rodapé, pintado ou em granito, está quase sempre presente nas casas deste tipo. Infelizmente já não é fácil encontrar exemplares representativos deste modelo arquitectónico em tão bom estado de conservação como o da gravura. Falta sensibilidade para a preservação deste património que é visto com indiferença pelos particulares, autarquias e demais instituições. A destruição do património arquitectónico civil da Beira Litoral e a sua substituição por tipologias de proveniência duvidosa e desproporcionada, adultera e fere a paisagem povoada. Qual espécie animal ou vegetal em vias de extinção, se não forem tomadas medidas em breve não restará um único exemplar de pé. É pois desejável que se conjuguem esforços no sentido de preservar pelo menos os mais significativos exemplares desta humilde, bela e funcional arquitectura.
Rafael Carvalho / Jan2010 Para saber mais sobre a casa tradicional da zona litoral central, consultar: "Arquitectura Tradicional Portuguesa"
de Fernando Galhano , Ernesto Veiga De Oliveira
Dom Quixote, edição 2000

5 comentários:

Paulo J. Mendes disse...

Magnífico exemplar. O padrão dos azulejos é de uma riqueza extraordinária...
Concordo em absoluto com a necessidade urgente de preservar este património único.

Júlia Galego disse...

Este tipo de casa é-me familiar. Mesmo a forma das janelas também se encontra aqui, no Sul (pelo menos no Alto Alentejo). O que não é de estranhar, dado que, nas migrações internas, houve influências que se estabeleceram entre as estas regiões. Além dos "ratinhos", também vieram os "galegos", designação que, pelo menos no caso que conheço, passou a figurar como apelido.
Cumprimentos

Rafael Carvalho disse...

Paulo,
a região de Aveiro poderia efectivamente ser apelidada de "capital do azulejo". Para além da arquitectura, também muitos dos padrões tradicionais de azulejo, estão em extinção.
Cumprimentos.

Rafael Carvalho disse...

Júlia,
efectivamente este tipo de construções alarga-se a outras regiões. Existem exemplares com algumas semelhanças inclusivamente no Algarve. Julgo contudo que a inclusão da “porta-carral” no esquema janela-porta-janela / porta-carral é efectivamente marcante na Beira-Litoral. Também já presenciei exemplares que seguem o mesmo esquema na zona do Ribatejo.
Cumprimentos.

Anónimo disse...

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Gonçalo Novo