quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Azulejo de Aveiro - policromia e luz

Foto: Eixo - Aveiro
Foto: Beira-Mar / Aveiro
Foto: Beira-Mar / Aveiro
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Recobrindo fachadas com motivos pura e simplesmente geométricos ou em painéis com motivos etnográficos, históricos, religiosos, figuras populares ou comerciais, o azulejo constitui uma imagem de marca na região de Aveiro. Parece que os primeiros azulejos existentes nesta cidade remontam ao séc. XV, de que ainda restarão alguns exemplares no Convento de Santa Joana. Da autoria de Manuel Ferreira Rodrigues, relativo ao azulejo de Aveiro, o texto que a seguir transcrevo foi publicado no Blogue “João Pedros Dias’Blog” em Maio de 2004. + “…Mas é o azulejo que dá a toda a região de Aveiro uma personalidade bem vincada. Sobretudo o azulejo de finais de Oitocentos e das primeiras décadas do século das grandes guerras. Azulejo semi-industrial das fábricas de Aveiro. Azulejo de estampilha. De mil cores. De mil padrões. É o azulejo de fachada que dá à cidade uma riqueza cromática única. Caleidoscópica. De manhã, ou ao fim da tarde, a luz do sol esmaga-se estrondosamente contra as fachadas de azulejos, desmaterializando-as, esventrando-as, num espectáculo de revérberos brancos ou cores incendiadas. É também um património ameaçado. Porque é frágil. Demasiado frágil. Porque anda no ar um certo espírito novo-rico, ignorante e provinciano. Dissipador. Capaz de vender a alma ao diabo por um brilhozinho dourado de pechisbeque. O palacete do «brasileiro» Sebastião de Carvalho Lima – pai do escritor Jaime de Magalhães Lima e de Sebastião de Magalhães Lima, dirigente republicano e Grão-Mestre da Maçonaria portuguesa – foi o primeiro edifício da cidade a ter a fachada revestida de azulejo. (Hoje é sede da Associação de Municípios de Aveiro.) Estávamos em 1857. No ano seguinte, no Campeão do Vouga, segundo periódico local aveirense, pode ler-se: «Agora começou a moda do azulejo. Há um ano, não havia uma casa que o tivesse. Os proprietários contentavam-se com pinturas a cola. Apenas apareceram os primeiros azulejos na casa do Sr. Sebastião de Carvalho Lima, ao Carmo, todos quiseram pôr azulejo». Dez anos depois, a fachada da igreja da Misericórdia vestia-se de azulejo azul e branco estampilhado, fabricado também no Porto e aplicado por operários da Cidade Invicta. Até então, o azulejo recobria apenas o interior de igrejas e de palácios. Nos anos seguintes assistiu-se a uma profunda alteração da paisagem urbana. O azulejo protege e embeleza as frustes fachadas das casas, nomeadamente as que se ergueram com materiais pobres. O azulejo transfigura a arquitectura e valoriza a composição dos alçados pela força dinâmica das suas composições, pelos surpreendentes efeitos visuais dos seus padrões. E sem o azulejo a cidade não teria a delicada luminosidade cromática que a singulariza. É também o azulejo que distingue as manifestações arquitectónicas Arte Nova de Aveiro das demais. Manifestações artísticas epidérmicas, híbridas, de forte efeito cenográfico, que favorecem fachadas tipologicamente banais, mercê das potencialidades cromáticas, do brilho e da luz intensa do azulejo. É extraordinário que uma pequena cidade de província, escassamente urbanizada e industrializada, no início do século XX, detenha ainda um surpreendente conjunto de edifícios com decoração diversamente filiável na Arte Nova. Esse fenómeno ter-se-á ficado a dever, antes de mais, ao azulejo. Apesar do muito que já se perdeu, os painéis figurados de azulejos, em tons azuis, a maioria das três primeiras décadas de Novecentos, tem resistido melhor à usura do tempo e à cegueira dos homens. Neles, a cidade desnuda-se. Auto-retrata-se. As temáticas e as técnicas testemunham sensibilidade e um olhar atento aos movimentos artísticos que se sucediam. Caro visitante, depois dos encantadores painéis da estação do caminho-de-ferro, onde os pintores da Fábrica da Fonte Nova, Francisco Luís Pereira e Licínio Pinto, pintaram postais e fotografias de temas regionais, proponho-lhe que vá ao Parque do Infante D. Pedro. Delicie-se com o verismo fotográfico daquelas figuras femininas, que nos olham sorridentes há perto de um século, com a beleza ecléctica das cercaduras. Pelo caminho, certamente não deixará de se admirar com o sincretismo da composição e o apuro técnico dos belos postais alusivos às quatro estações, na Rua Manuel Firmino, com os magníficos rosas e verdes da fachada arte nova da Rua João Mendonça, com os painéis-cartazes publicitários da antiga Sapataria Leitão, com a monumentalidade dos azulejos que revestem a Casa das Zitas, na Praça Marquês de Pombal. Os percursos possíveis são muitos. Nas últimas duas décadas, alguns dos melhores artistas vivos da cidade deram continuidade a essa tradição. Com a assinatura de Vasco Branco, Cândido Teles, Jeremias Bandarra e José Augusto, aos poucos, aqui e ali, têm surgido painéis de azulejos de uma beleza extraordinária. Com outras técnicas. Com outras cores. Ao ceramista Vasco Branco, que também é escritor e cineasta, ficaremos em dívida eternamente pelos magníficos painéis da Praça da República e do Viaduto Aveiro-Esgueira. Beleza e monumentalidade. Esteja atento, caro visitante. Não se fie em guias turísticos e quejandos. Vá pelo seu pé. Vá com os sentidos despertos. Descubra por si. Percorra a cidade, rua a rua, e palmilhe as freguesias circunvizinhas. Dê uma saltadinha a Ílhavo e a Ovar. Será recompensado.”
Rafael Carvalho / Jan2010

4 comentários:

Anónimo disse...

O texto que cita é interessante. Pena o blogue ter sido descontinuado.
Bom fim de semana.

http://patrimonius.blogs.sapo.pt

Júlia Galego disse...

O texto é, de facto, muito interessante. A propósito, existem em Estremoz alguns edifícios com decorações Arte Nova, quer em azulejo, quer em ferro forjado. O problema é que nem sempre as condições permitem fazer fotos razoáveis...
Cumprimentos e bom fim de semana.

Rafael Carvalho disse...

Patrimonius,
também eu achei o texto muito interessante.
Volte sempre.

Rafael Carvalho disse...

Júlia,
retribuo os votos de um bom fim-de-semana.
Cumprimentos.